Essas crianças de hoje em dia...

Falou, meus fantasiados de ocasião da tia! Tudo em cima? Por aqui tá mais ou menos, eu ando tendo uns picos de ansiedade aí mas isso é papo pra outro momento, risos risos risos.
 
Outro dia desses tava comentando neste post da cosplayer Tsu Keehl sobre as diferenças de visão entre cosplayers há mais tempo no hobby e os que começaram mais recentemente (especialmente durante e depois da pandemia) e a Lila Açúcar, a melhor chefe de todos os tempos <3, comentou que eu deveria escrever sobre.
 
Então eu vou escrever, porque pedidos da Lila são ordens! (Normalmente são, mesmo kkkkkk)

 
Eu comecei com cosplay em 2008. As coisas eram muito diferentes 17 anos atrás. Não tínhamos acesso a perucas, a única maneira de conseguir uma roupa era mandando fazer, os materiais de artesanato não eram tão modernos (vocês têm noção que a maioria dos props era feita ou de fibra de vidro, ou de papietagem com massa corrida? éeeee gatas), ninguém sequer pensava em usar lentes de contato... Tudo era bem artesanal, até porque não tinha outro jeito de fazer o barro acontecer. 

Eu gosto muito de contar a história da minha primeira fantasia porque ela mostra muito do que era fazer cosplay naquela época: eu simplesmente comprei tecidos das cores que eu precisava e saí procurando costureira na cidade e foi isso. Dei sorte porque era um cosplay simples (uniforme escolar) e a costureira cobrou barato, mas foi basicamente isso: meti o louco e fiz a roupa e os acessórios (sim, gente, eu fiz acessórios no meu primeiro cosplay) em tipo 15 dias e fui felizona pro Anime Dreams 2008.

Literalmente minha primeira foto de cosplay na vida. Notem o monitor branco de tubo atrás e fiquem sabendo que esse computador tinha proféticos 512mb de RAM e 20gb de espaço, com conexão discada que eu só podia usar aos domingos (cobrava só 1 pulso). Essa foto também é mais velha que alguns de vocês, durmam com esse barulho.
 
Estando inserida nesse meio há tanto tempo, eu vi basicamente todas as fases da comunidade cosplayer aqui no Brasil. Desde os cosplays feitos com o próprio cabelo com roupas feitas de oxford e cetim aos cosplays super complexos com programação em arduino, impressão 3D e led até nos buracos mais distantes, e também vi o crescimento da comunidade e as diversas fases que ela passou.

Confesso que pra mim a evolução da comunidade se confunde com a evolução das personas virtuais em mídias sociais porque, querendo ou não, desde muito cedo o hobby esteve ligado à superexposição em plataformas de internet; só que, enquanto em 2008 isso acontecia em fóruns, floggers e blogs pessoais, hoje isso acontece de maneira muito mais intensa nas plataformas de criação de conteúdo.
 
É muito estranho parar pra lembrar -- e nesses momentos, eu com certeza sou tomada pela nostalgia, mas logo passa -- como as coisas eram construídas de forma coletiva. Não se enganem: barraco por causa de concurso ou postagens atravessadas sempre existiu, mas como ainda não existiam formas viáveis de monetizar o conhecimento, basicamente tudo o que a gente sabia era dividido.
 
Era comum achar tutoriais em fóruns sdds ComoFas CB, sites como o deviantART ou mesmo perdidos em sites no GeoCites ou Livejournal e discussões sobre como fazer coisa A ou coisa B quase sempre rendiam descobertas e aprendizado pra todo mundo que participava dos debates.
 
Embora a pressão estética e as visões machistas dentro da comunidade fossem infinitamente piores (sim, amores, conseguia ser pior), o clima era meio de criançada montando brinquedo de papelão no quintal; todo mundo tava ali porque era otaku fedorento, queria fazer amigos e viu no cosplay algo legal pra fazer nos eventos além de tomar Mupy e comprar mangá por 2 reais.
 
(Espaço reservado para sofrimentos relacionados à alta do preço das revistinhas e também para mandar a Suzano ir tomar no cu papeludo dela.)
 
O tempo foi passando e, conforme as técnicas de produção de cosplay se tornavam mais refinadas e mais profissionais -- e, obviamente, os praticantes do hobby iam ficando mais velhos -- as coisas foram mudando de figura. Eu bem que me lembro que lá por 2010 já tinha cantado a bola de que a comunidade ficaria mais ou menos do jeito que está hoje, mas isso é assunto pra um outro post aquele onde eu digo que se eu falo uma coisa é pra levar a sério porque em 98,73% dos casos eu to certa caralho . Surgiram os primeiros cosplayers profissionais, artesãos especializados em cosplays por encomenda (denominados convenientemente de cosmakers) e as roupas passaram a ficar cada vez mais elaboradas, uma vez que os concursos começaram a dar premiações em dinheiro.
 
E aí em meio a essa zona, nasceu o Instagram ô treva

Eu digo que a cultura atual da comunidade (e principalmente dos cosplayers com menos tempo de hobby) se mistura com a cultura atual de uso de redes sociais porque os cosplayers sempre foram usuários ávidos dessas plataformas, mas, normalmente, as redes especializadas em cosplay. Cosplay.com e outras que eu nem me lembro o nome eram o que a gente usava para mostrar nossas fantasias. Algumas pessoas vítimas da leitura desse post desculpa podem nem ser nascidas quando o Instagram surgiu, mas ele servia basicamente pra postar foto de comida. A profissão de influenciador (quase) não existia e era muito raro alguém ter perfil dedicado a cosplay nessas plataformas mais mainstream. Tínhamos poucos cosplayers realmente famosos e eles eram populares e conhecidos em outras redes, como Facebook, Twitter, Fotolog (RIP) ou mesmo em blogs próprios -- mais ou menos como as demais celebridades de internet da época.

Outro aspecto importante é que, conforme o hobby foi ficando conhecido e profissional, mais acessível foram se tornando os acessórios e fantasias completas. Se antes uma peruca vagabunda custava quase meio salário mínimo, a possibilidade de compra no eBay barateou muito o custo e aumentou a qualidade do que era oferecido. Era mágico, o começo de uma nova era.
 
Eu não sei quando, nem como, foi que o hobby passou de uma expressão de fã tal qual fanarts e fanfics pra uma maneira de ganhar relevância na internet, mas a realidade é que o pessoal mais novo (no hobby) entende cosplay de uma maneira muito distante do que eu e colegas que começaram na mesma época que eu entendemos.
 
Pra muita gente, cosplay é só uma maneira de produzir conteúdo; há quem inclusive considere um investimento, um modelo de negócio para influência em redes sociais. Tudo é timing: temos de fazer o cosplay da série popular (mesmo que a gente ache uma bosta), a trend da rede que tá bombando (mesmo que a gente não queira), ir nos eventos que todo mundo vai (ainda que você prefira ir tomar sorvete); e eu já ouvi mais de uma vez de cosplayer novato que estava fazendo cosplay de série X ou jogo Y não porque gostava, mas porque era o que dava view em rede social. 

????? Sou incapaz de compreender, de verdade.
 
Pra mim é um pouco desconcertante porque pra essas pessoas cosplay é só um meio para um fim, e o fim é ser famoso na internet. Ou pior ainda, cosplay É sobre ser famoso na internet, sobre ter seguidores e fazer parcerias com algumas marcas, mas isso não é necessariamente culpa delas porque foi assim que lhes apresentaram o hobby. Durante a pandemia a única coisa que a gente podia fazer era postar coisas na internet e muita gente descobriu o cosplay através desses posts, e não através de eventos como o pessoal da velha guarda, e quando os dois grupos se trombam, normalmente é um choque de realidade beeeem complicado.

Nós, os cosplayers 30+ com boletos pra pagar...

Nos eventos e concursos, números em redes sociais pouco importam. Enquanto pra quem tá no hobby desde 1923 o reconhecimento vem do carinho de outros fãs e conversas com outros cosplayers, pra quem começou agora o maior reconhecimento é bater uma meta de X milhares de seguidores em seus perfis. Não ser reconhecido como uma celebridade da internet é irrelevante pro pessoal da velha guarda, mas os novatos se sentem ofendidos quando você não sabe quem eles são. Pra gente, cosplay é um hobby, mas pro pessoal que conheceu o cosplay durante a pandemia, é uma profissão. E muita gente se frustra nesse caminho, abandona o hobby depois de pouco tempo de prática e sente que perdeu tempo porque "investiu em cosplay tal e não teve retorno".

Mas o que seria esse "retorno"? É uma pergunta com respostas muito diversas, mas semelhantes dependendo da geração cosplayer a qual você pertence. Não vou me dar a importância de responder isso aqui, mas vocês provavelmente vão captar qual a mensagem.

Não tem uma observação final ou uma grande lição de moral a se tirar desse texto. Só que é um movimento muito curioso de observar. Às vezes, eu me sinto deslocada no hobby, mas foi esse deslocamento que fez com que eu (re)entendesse as razões de eu gastar tanto tempo da minha vida com produção de figurinos amadora. A comunidade hoje (num geral) parece girar em torno dos storys, vídeos de TikTok e Reels, seguidores e comentários, mas isso nunca me pertenceu: eu sempre esqueço de tirar fotos, quase não mexo no celular em eventos e tenho zero paciência pra gravar e editar vídeos. 

As pessoas parecem se obrigar a usarem cosplays novos a cada evento, enquanto eu guardo os primeiros cosplays que eu fiz e uso sempre que possível (e se ainda me cabem). Os cosplays parecem ser descartáveis (e muitas vezes, são feitos assim  mesmo, no melhor estilo fast fashion), enquanto toda peça que eu produzo, faço pensando em reutilizar até estragar pelo menos eu tento. A escolha dos personagens é feita se analisando o que está fazendo sucesso, enquanto isso, eu escolho meus personagens à moda caralho por afinidade pelos personagens e obra. São valores e visões bem diferentes, e de vez em quando é cansativo lidar com essa falta de sincronia. Não foram poucas as vezes que eu pensei em desistir de fazer cosplay mesmo gostando muito porque não me encaixava nesse cenário...

Que bom que eu desisti de desistir e consegui me encontrar no caminho, HEUHREIURHERIURHAUIH.

Enfim, fiz um textão e não falei nada. Mas é isso, crianças, façam cosplay pra se divertir. Não vai dar nenhum retorno, ainda mais financeiro. Afinal, hobby não foi feito pra ganhar dinheiro kkkkkk

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Artemyss, bibliotecária e cosplayer. Divide o tempo entre reclamar da vida e jogar Borderlands. Fotógrafa, trilíngue, shippeira e fangirl. Blog de opiniões pessoais e cotidiano com assuntos aleatórios. Atualmente está refém das amarras do capitalismo e não consegue mais fazer lives, mas está o dia todo procrastinando no BlueSky 🦋 (+)

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